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Um novo olhar
Quarta-feira. Meio da semana. E eu me lembrei de você. Na verdade
hoje é um dia atípico porque lembrei mesmo de estar há quase 1 (uma)
semana sem pensar em você. Pode ser a pressa, pode ser a correria que eu
enfrento todo dia, pode ser o edital pra entrega do projeto de mestrado
estar prestes a vencer, mas principalmente acredito que seja um
desinteresse de você brotando lentamente, como se algo tóxico que me prendesse começasse a perder a graça.
Eu hoje consigo me lembrar de você, sem querer você. Ou pior, sem querer que você me queira. Não resisti e fui olhar sua foto. Você não pode acreditar a sensação maravilhosa que é olhar pra esses seus olhos pequenos e não achá-los envolventes. Não querer tocar seus largos ombros, nem mesmo querer que você me olhe.
Poder olhar sua foto sem ter reações diagnosticáveis como "dor de cotovelo da grossa" é como um milagre! Veja bem, não é que você não tenha mais importância, você sempre terá. Eu não seria pretensiosa de querer apagar você. Eu não posso e não quero fazer isso. Mas antes havia sofrimento, sentia um amargo na boca e uma vontade enlouquecedora de parar em frente a você e dizer _ Olha, eu te amo, mesmo desejando de um jeito absurdo não querer amar!
Hoje, eu sinto um certo alívio. E até uma curiosidade meio mórbida de querer saber para onde foi aquilo tudo que ficou em mim amargando por tanto tempo. Eu posso ver você e permanecer tranquila. E isso pode ser assustador no momento de constatação porque até o que faz mal vicia. Por uns minutos eu pensei que talvez necessitasse gostar de você. Como se isso fosse muito importante para a vida seguir em frente. Não gostar de você traz o vazio do "e agora?". E agora? O que se faz quando não se sofre por gostar de alguém que não gosta da gente???
Acabo de fazer outra grande constatação _ escrevi um parágrafo inteiro mencionando naturalmente meu antigo sentimento por você como "gostar" e não como "amar". É, pode ser mais real do que imagino. Eu não tenho mais espaço para você em meu coração. Então seu posto de suposta alma gêmea passa a ficar vago a partir de agora. E eu vou pendurar sua foto na ala das lembranças que me fizeram melhor. Isso mesmo, você me fez melhor sem nunca ter encostado um dedo em mim. Me fez amadurecer e crescer sem que nunca tivéssemos almoçado juntos. Então obrigada.
Obrigada por cada pensamento que eu nunca realizei ao seu lado e obrigada por cada "eu te amo" nunca dito. Obrigada por nunca ter me afagado em seus vastos ombros e nunca ter permitido que eu repousasse confortavelmente no vão de suas costas (é bom dormir nas costas de quem se ama). Obrigada por nunca ter me levado ao cinema (eu amo cinema) e por nunca ter me deixado roubar batata frita de seu prato (outra mania que eu reconheço, nem todo mundo acha legal. Mas, quando se possui intimidade, pegar comida do prato do outro é tão legal...). Enfim, obrigada mesmo. Eu nem sei como vou poder agradecer o fato de nunca termos dividido a mesma rede (rede é bom demais), de nunca termos tomado sorvete juntos e nunca termos visto um filme bem velho embaixo do edredom em um domingo de frio, daqueles feitos especialmente pra namorados que se amam. Eu preciso agradecer a você tudo que eu quis e nós nunca fizemos juntos. Confesso, eu sou do tipo "brega" pra relacionamento. Não preciso de muita coisa pra ser feliz. Eu tenho minhas manias e também meus mimos (filho único se não for mimado perde a graça), também tenho umas frescuras (sério?), mas no quesito relacionamento me basta o outro e muito carinho.... Ah, eu esqueci de agradecer por você nunca ter sido carinhoso comigo. Isso realmente poderia ter aprisionado meu coração por uns 40 anos. Obrigada por nunca termos nos aproximado de verdade.
Obrigada por ter se limitado a me olhar em silêncio. Eu me lembro do dia, o único dia, em que conversamos e eu, como quem decide e age, falei sem pensar sobre minha necessidade reprimida por anos em ter seu olhar. Em querer seu olhar. E você, educadamente me respondeu com a verdade. Amarguei por semanas aquela resposta reveladora, aquela sinceridade dolorida que me causou espanto ao saber que ao longe e em silêncio você me deu tudo o que eu queria naquela época. Você me viu, me admirou, me reparou e se calou. Só você sabe os seus motivos e eu nunca me interessei pelo seu silêncio. Mas a revelação de sua omissão reprimiu meu querer, meu sonho de conto de fadas onde você não cabe mais. Ao menos não depois de tanta espera. Seu tempo, nosso tempo (mesmo nunca havendo "nós") passou. Mas eu reitero meu agradecimento.
Olhei sua foto novamente, pra me testar e saber se minha libertação do sonho de você era repentina. Ela é real, eu estou liberta. Não sinto mais vontade de pegar sua mão. Eu tive vontade de fazer isso por tanto tempo... mas agora eu não tenho mais. E agora sua foto ocupa o lugar de alguém que passou, mas que possui minha eterna gratidão. Não posso deixar de pedir desculpa. Ações e omissões são vias de mão dupla. E eu também fui omissa por todo o tempo que senti sozinha. O silêncio não foi só seu, foi nosso. Vivenciamos enquanto deu e ele durou bastante. Me desculpe por agir feito idiota, eu sempre enxerguei você.
Agora que meu coração não registra mais o som meio rouco e muito prepotente da sua voz como um sonho, me resta dizer adeus a você que eu nunca tive e a quem nunca demonstrei o que realmente sou. Não tenho arrependimento, estranhamente tenho um alívio. O alívio da libertação. Não pensei em você por tanto tempo por teimosia, mas sim enquanto durou meu estoque de "suposto amor". É muito louco ter alguém no universo da pretensão, tem dia que doi, tem dia que enche a paciência, tem dia que deprime, mas um dia se esgota. Um dia, a vontade de direcionar todo o carinho do mundo a um único ser humano vai embora. E a gente se pergunta do que valeu tudo aquilo...
Eu não tenho a resposta, eu não sei se valeu pra alguma coisa, mas o coração deve saber... Afinal, foi ele quem quis ficar olhando pra você escondido e foi ele quem se libertou de todas as possibilidades de felicidade que você só representou. Então, o coração que fique com a moral da história e eu, sem a carga de amargura e pretensão, como quem guarda uma medalha de honra pela superação, ficarei com a foto, a sua foto.
Pâmela Rodrigues
*Foto retirada de: http://www.donagiraffa.com/2011/07/amor-nao-correspondido-o-que-fazer.html